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Eles, os litigantes

Anualmente, sempre no mês de fevereiro, centenas de pessoas se reúnem na Cidade de Lamentos, Capital do Estado das Causas Eternas, para participar da Convenção dos Litígios Fantásticos. Entrevistamos a organização do evento para saber um pouco mais a respeito e obtivemos informações reveladoras. Os critérios de participação são rigorosíssimos. Somente pessoas envolvidas em ações judiciais cujo subjeto[1] envolve mágoas, tristezas, falta de comunicação, falta de reconhecimento e outras tantas carências afetivas são admitidas. É também fundamental que suas ações se arrastem há um tempo intensamente amargo, capaz de provocar severas insônias & bons impactos financeiros. A característica marcante de um Litígio Fantástico é o fato de que a decisão buscada pelos envolvidos é sabidamente impossível. Um subjeto jamais se resolve com uma sentença. Mesmo assim, esse fenômeno social segue em franca ascensão. Os organizadores explicam que a ideia do evento é trocar experiências entre os participantes ou “litigantes”, como muitos preferem ser chamados. “Não há qualquer objetivo de encontrar soluções, relatou Sr. M, líder do evento, “até porque isso é tarefa sempre delegada a um terceiro responsável pela decisão do Litígio Fantástico”. “O que queremos é que as pessoas se conheçam, relatem seus casos, problemas e assim possam lamentar em conjunto”, ele diz. E acrescenta: “Quando deparamos com outras pessoas que enfrentam problemas parecidos, a tendência é encontrar alento, conforto. Isso dá um gás necessário para continuar nessa caminhada tão árdua que é a do litígio.” Na convenção, há também workshops específicos. Os mais procurados envolvem assuntos familiares. Neste ano, o workshop “Como transformar os aspectos negativos e afetivos do término do seu relacionamento em ações revisionais de alimentos dos seus filhos” já conta com inúmeros inscritos. Seu organizador, o Sr. X, possui um repertório impactante. É autor de 3 ações revisionais contra suas filhas, uma ação de despejo contra a ex-esposa e é réu em outras 3 ações de execução de alimentos propostas pelas mesmas filhas. São quase 5 anos de estrada em processos e dois empréstimos bancários para dar conta das custas processuais e dos honorários dos prestadores de serviços jurídicos. São também quase 5 anos sem qualquer diálogo com as filhas. Sr. X já possui netas e não as conhece. Uma senhora (que não quis revelar seu nome) nos contou que uma das filhas do Sr. X também frequenta a Convenção dos Litígios Fantásticos e é líder master do workshop “Nós, Filhos, Eles, o Divórcio: quem vai pagar a conta do meu analista?” Ambos fingem que não se conhecem.

Ao final de nossa entrevista, indagamos aos organizadores sobre a viabilidade de um espaço na Convenção dos Litígios Fantásticos para a fala de especialistas em métodos adequados para solução de conflitos. Falávamos de mediadores e de advogados colaborativos. De uma alternativa eficiente e responsável de solução de conflitos, fora do âmbito do judiciário. Falávamos de celeridade, confidencialidade, economia de custos, restabelecimento da comunicação entre os envolvidos no conflito e inclusive de suporte emocional por psicólogos. Para nossa surpresa, notamos um completo desconhecimento do tema. Boa parte dos nossos esclarecimentos causou inclusive ansiedade e aflição nos organizadores.  E para que não insistíssemos no tema e na ideia, o líder Sr. M, bravejou: “Mas vocês não entenderam nada do que acontece aqui. Um Litígio Fantástico leva anos de cultivo até se tornar razão & força do viver. Com uma tal solução, o que restaria a eles, os litigantes?”

 Waldirene Dal Molin é uma advogada colaborativa, especialista na prevenção de Litígios Fantásticos.

[1] Um subjeto é a parte não visível de um objeto. Funciona bem quando pensamos em um iceberg. Apenas 10% fica visível na superfície e os restantes 90% de seu volume ficam submersos em água. Um subjeto nunca quer se mostrar. São aquelas necessidades desconhecidas, mas sempre esperadas e nunca atendidas. Expectativas? Pode ser também. Mas há especialistas que costumam definir subjeto por falta ou fenda. 

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